Shenia Karlsson

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Imigração, lar doce lar: vulnerabilidade, moradia e seu impacto na saúde mental

“Arrendei um quarto pela internet enquanto ainda estava no Brasil pois queria adiantar as coisas. Meu namorado e eu chegamos. O senhorio disse que não recebeu a transferência internacional, mostrei o comprovante e ele insistiu que o dinheiro não foi para a conta dele…

…ele nos obrigou a pagar o valor novamente (renda e caução). E era apenas o início. Ele nos insultou, nos assediou, criou confusão, entrou no nosso quarto sem nossa permissão e toda vez que a gente reclamava, ameaçava ligar para a polícia. Uma vez, eu tinha acabado de sair do banho com uma toalha enrolada em volta de mim, e ele entrou e saiu com um ventilador. O ventilador que era nosso. Disse ele que desperdiçávamos muita luz. Isso foi a coisa mais humilhante da minha vida.No fim, não duramos 3 semanas, mudamos e perdemos dinheiro. Fiquei muito magoada.” Mulher, brasileira, 27 anos.

Caro leitor, desta vez as coisas são sérias – não que ninguém mais seja. 

A moradia é uma coisa fundamental e tem relação direta com a saúde mental, é um fato inegável, um direito fundamental defendido na constituição da nação, a lei.

No entanto, com o crescente fluxo de imigrantes em países europeus, especialmente das grandes cidades, isso se tornou um pesadelo para muitos. Ocorre porque o estado não conseguiu fornecer respostas para esse problema que cresce exponencialmente. Para estreitar a nossa discussão, vou abordar o tema do pesadelo actual: arrendar uma casa em Lisboa. Mas o que a psicóloga tem a ver com isso? Tudo. É um tema angustiante e recorrente que as pessoas adoecem, acredite.

Em Portugal se enfrenta desafios na habitação há décadas. De acordo com um estudo da Fundação Francisco Manuel do Santos sobre o mercado imobiliário português, “os arrendamentos urbanos em Portugal são problemáticos”. A falta de escolha e a especulação imobiliária levam a um aumento impraticável para a maioria das pessoas. De acordo com uma reportagem do Diário de Notícias, “Em Lisboa, os imigrantes pagam entre 100 e 250 euros por cama ou por espaço (…) e quem chega à cidade enfrenta muitos problemas. Espaços superlotados e abandonados, edifícios antigos e degradados”. O Eurostat observou em 2019 “a desvantagem habitacional dos estrangeiros, que tendem a ter habitações mais precárias e superlotadas do que os nativos”, segundo a associação Renovar Mouraria, “Mesmo os imigrantes documentados estão menos protegidos, está em primeiro lugar de quem perde o emprego” e, portanto, habitação. Como viver neste cenário de vulnerabilidade?

E a vulnerabilidade social está diretamente relacionada à saúde mental. Todos sabem que a Organização Mundial da Saúde (2001) entende a saúde mental como “um estado de completa saúde física, mental e social”.

Perceba a última palavra, SOCIAL. É impossível separar qualquer dimensão do social, nesse sentido, é vital que o exerça seu papel. Segundo Ayres (et al, 2003), o significado de vulnerabilidade “é concebido para expressar a probabilidade de doença associada a cada indivíduo que vive em uma determinada condição”.

“Tenho que entregar o quarto dentro de um mês, meu contrato está acabando, preciso de um T0 para morar com minha filha, em um quarto é impossível. Ofereci 1 ano de renda a senhoria não aceita , ela quer um fiador. Onde posso encontrar um fiador?” Mulher, brasileira, 35 anos, filha 11 anos.

Depois tem o aumento dos valores, existe uma dificuldade ainda maior, a burocracia. A autorização de residência do estrangeiro precisa ser válida por pelo menos 2 anos, caso contrário ele terá problemas para fazer valer a locação e na maioria das vezes precisará de um fiador.

Diante dessa situação, muitas pessoas optam por arrendar quartos e são obrigadas a conviver com estranhos, uma experiência realmente muito frustrante.

“Minha colega de quarto faz festas todo fim de semana com música alta e gritos. Os vizinhos chamaram a polícia, mas não ajudou muito, ela não para. O proprietário advertiu contra trazer meninos porque éramos três mulheres morando no apartamento, pois ela hospeda o namorado todas as noites, detalhes, – que mora sozinho. Fazem extremo barulho, tenho que ouvir toda a intimidade do casal, não durmo. Levanto às seis da manhã, tenho que ir ao trabalho às sete. Como posso dormir assim?” Mulher, portuguesa, 23 anos.

Relatos como esses acima e as informações deste artigo revelam outro problema, a coabitação. Viver com estranhos ou mesmo amigos cria alguns conflitos e embates de hábitos completamente evitáveis. Medidas práticas devem ser tomadas, tais como:

Comece estabelecendo regras de convivência e siga todas elas, divida os custos e responsabilidades de forma justa, organize e mantenha a casa, limpe as tarefas e respeite o espaço. A casa é sagrada, não se esqueça disso.

Compartilhar um espaço comum exige reajuste, tolerância, bom senso, capacidade de adaptação às diferenças, respeito às rotinas alheias, inteligência emocional na resolução de conflitos e garantia de algo indispensável, a privacidade. A privacidade é importante para a manutenção da saúde mental porque os indivíduos precisam de um espaço para organizar mentalmente, refletir e superar os desafios da vida. A falta de privacidade pode prejudicar a saúde mental e pode levar a uma série de sintomas: ansiedade, estados depressivos, sentimentos de desamparo, tristeza, falta de pertencimento, falta de motivação, desesperança, irritabilidade, agressão, raiva, depressão, diminuição da segurança emocional e vulnerabilidade.

Qual é o papel do psicólogo nesta situação? Novamente cito Ayes (2003), que disse que “o papel dos profissionais de saúde qualificados (…) deve ser repensado como uma espécie de mediador entre a comunidade e os recursos sociais no processo de construção da saúde”. Como profissional de psicologia, sei que meu papel é ajudar meus clientes a acessar recursos internos para superar essa situação e verificar sua rede de suporte específica para segurança mínima. 

O foco está sempre na redução da vulnerabilidade. 

É importante trabalhar em rede para que possamos encaminhar as solicitações para os departamentos responsáveis específicos. Independentemente disso, nós, como sociedade, devemos levar esses problemas a sério porque os problemas são sistêmicos.


– Sobre a Shenia Karlsson –
Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

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