Shenia Karlsson

Competição feminina

Competição Feminina “Sempre” Invejada – Vítima ou Culpada

“Eu não consigo entender, as mulheres costumam não gostar de mim. É difícil manter a amizade, sabe. Deve ser porque eu sou independente e moro sozinha, não preciso de homem, faço muito dinheiro,sou uma mulher que não passa despercebida, de jeito nenhum, acredito que me veem como uma ameaça, sei lá. Preocupam-se com seus homens, se vão me olhar, estou cansada, deprimida, não estou fazendo nada” – M., mulher cisgênero, 37 anos.

Este é realmente um tema frequente em clínicas voltadas para mulheres, “inveja”. 

De fato, a maneira como o patriarcado construiu suas estruturas opressivas para exercer dominação sobre nossos corpos levou a uma competição tóxica entre as mulheres. Muitos foram os avanços e transformações importantes que nos permitem refletir sobre essa relação. No entanto, sabemos que nós, mulheres, reproduzimos um grau de machismo que garante certos privilégios sociais para algumas.As mulheres reproduziram também o sistema opressor.

Na verdade, esse é um tema que aparece com frequência nas clínicas femininas, “inveja”. De fato, a forma como o patriarcado constrói estruturas opressivas para controlar nossos corpos leva a uma competição prejudicial entre as mulheres. Muitos foram os avanços e transformações importantes que nos permitem refletir sobre essa relação. Sabemos, porém, que nós mulheres reproduzimos um grau de machismo que garante certos privilégios sociais a muitas. As mulheres também reproduzem o sistema de opressão, sem dúvida.

A “inveja” é uma palavra muito temida, evitada e, segundo algumas escolas de psicologia e psicanálise, há muitos tabus sobre esse sentimento de sujeito tão humano e estruturado. “Inveja” é um fenômeno interessante porque está sempre fora de nós, dentro do outro, e nunca dentro de nós. Então, sempre que surge esse assunto, eu penso: e a sua inveja, Mora aonde? 

Acredite, este é um momento interessante, e da infinidade de possibilidades que podemos gerar para lidar com esse tema recorrente durante o processo de psicoterapia.

Segundo a literatura, a “inveja” tem alguma base, inclusive comparações. É em parte porque não entendemos o que o outro tem, e em parte porque não entendemos o outro. A fonte é a falta, o que admitimos falta em nós, e encontramos nos outros. Esses achados, dependendo de nossas histórias e de nosso olhar, podem produzir sentimentos de dor, raiva e até ódio, dependendo do nível da inveja, que é patológico.

“Sou sempre invejada, não sei porque. É assim desde criança. Tive uma amiga quando jovem que queria ser eu, ela comprava tudo que eu comprava, ela até disse que era minha gêmea irmã” – Y., Mulher cisgênero, 36 anos.

A comparação é inerente ao nosso processo de identificação e começa na infância, onde a socialização do sujeito estimula a competição. Nesse ajuste ao meio social, somos convidados a atender às expectativas externas, e quando não temos consciência disso, surge uma sensação de injustiça, como se estivéssemos sendo privados de algum direito não adquirido que o outro adquiriu. Além disso, a inveja tem um caráter idealizado porque a experiência é única. Só podemos viver nossas próprias vidas, não a dos outros.

De qualquer modo, minha intenção neste artigo não é chegar perto da “inveja”, mas chegar perto da que é “invejada”. Em um mundo onde tudo é produto (corpo, consumo, estilo, acesso, etc…), ser “invejada” é tornar-se objeto de valor, enfim existir e afirmar-se, de fato, só é bom apenas que se sente inveja né? ! Nem sempre!

Quero destacar um movimento muito interessante que muitos de nós temos, o desejo de ser “invejada”. Assim, abordo o assunto como um fato clínico de que algumas mulheres estabeleceram a “inveja” como central em suas vidas e canalizaram suas experiências nela, negando a sua própria “inveja” e projetando-a, tentando se afastar ao máximo dessa comprovação. “Inveja” sendo como imoral.

“Sabe, as mulheres não se vestem para os homens, elas se vestem para outras mulheres, minha avó costumava dizer.” – S., mulher cisgênero, 28.

Vale ressaltar que a “invejada” não é uma vítima, mas um agente ativo e determinado em sua construção, seja pela aquisição de valores que para ela são a garantia de ser finalmente invejada , seja pela construção de pequenas potências. A intenção parece passar de uma posição de invisibilidade (compreendida por ela) para uma posição que, em última análise, goza de proeminência e centralidade (reconhecimento).

Podemos notar que tal que essa reprodução está enraizada na lógica capitalista, pois sabemos que o consumo existirá e que a sociedade capitalista estimula a competição. Como vimos nas redes sociais fora da clínica, ter um contexto completo estimula não apenas “ser invejado”, mas também “ser invejada”. A construção da vida perfeita, do relacionamento perfeito, do emprego perfeito e da felicidade plena demonstram o caráter performativo desses padrões, garantindo de alguma forma o que outrora foi idealizado.

Não podemos esquecer que a mesma agressão ao objeto “invejado” está contida no movimento/comportamento de quem deseja ser “invejada”. Ostentação, excesso, imposição e necessidade gananciosa de aprovação podem ser vistos como violência psicológica, pois a inveja é imposta na tentativa imprudente de permanecer no centro das atenções.

Admito que este tema é amplo, complexo e cheio de detalhes, e merece um aprofundamento. O objetivo é suscitar uma reflexão sobre a INVEJADA como subproduto relacionado, como fenômeno para pensar as relações no mundo das mulheres, e retirar a centralidade da INVEJOSA, figura assustada e marginalizada na maioria das situações. Sabemos que o ciúme existe, e é verdade que muitos de nós somos vítimas.

Com essa provocação nos ajuda a compartilhar responsabilidades ao buscarmos reavaliar nosso comportamento e compreender nossa dinâmica de relacionamento, questionando nossas posições para eliminar comportamentos nocivos e contraproducentes.

Então irmã, onde você escondeu seu ciúme? Você já foi invejado? Você quer conversar? Deixe seus comentários em nossas redes sociais, vamos trocar?

– Sobre a Shenia Karlsson –
Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *